Com riscos para trabalhadores e pacientes, incêndios em hospitais dobram em 2020

Recentemente mais um incêndio de grandes proporções foi registrado em hospital. Em final de maio, um incêndio atingiu a ala de estabilização para pacientes com Covid-19 do Hospital Nestor Piva, em Aracaju/SE, cinco pacientes morreram e alguns funcionários passaram mal. A ocorrência entra para a lista de mais uma tragédia de grande magnitude, com múltiplas vítimas, envolvendo EAS (Estabelecimentos Assistenciais de Saúde).

Incêndios em hospitais são uma constante no país e trazem riscos, não só para pacientes como para os trabalhadores do estabelecimento. Segundo o ISB (Instituto Sprinkler Brasil), as notificações de incêndios estruturais em hospitais praticamente dobraram em 2020. Levantamento da entidade, por meio do monitoramento diário de notícias de incêndios nacionais, capturou 53 ocorrências no ano passado contra 27 registros em 2019, sendo que somente nos quatro primeiros meses deste ano as notificações de incêndios em hospitais noticiadas pela imprensa já somavam 15 ocorrências.

COVID

Até agora não se sabe com certeza a causa do incêndio no Hospital Nestor Piva, mas a suspeita é de que o fogo tenha iniciado no ar-condicionado do setor que atende pacientes de Covid-19, o que chama a atenção para um novo agravante no cenário incêndio em estabelecimentos de saúde. “Existe um grande problema com a manutenção dos equipamentos no Brasil. Se tem uma determinada atenção para a manutenção dos equipamentos eletromédicos e não se tem a devida atenção para a manutenção dos equipamentos de infraestrutura, quer sejam eles os elétricos, de ar condicionado e outros. Particularmente com a Covid-19 isto está potencializado porque temos uma mistura muito perigosa, composta por hospitais que já estão deixando de lado o risco de incêndio porque não têm medidas efetivas para isto e hospitais que estão sobrecarregados. Ou seja, o que a instituição vai fazer primeiro? A manutenção de um quadro elétrico ou de uma linha que suporta equipamentos que estão sendo usados na Covid-19?”, questiona Marcos Kahn, engenheiro eletricista com pós-graduação em Segurança do Trabalho, especialista em Engenharia de Segurança Contra Incêndio e membro fundador da ABDEH (Associação Brasileira para o Desenvolvimento do Edifício Hospitalar). Segundo ele, outros problemas agravados com a pandemia são a falta de preparo das equipes e o aumento da carga de incêndio nos hospitais. “Com as equipes absolutamente exaustas não tem como tirá-las da operação de emergência para fazer treinamentos. Portanto está todo mundo enferrujado ou despreparado para enfrentar uma situação de emergência. Além disto, o risco de incêndio está agravado porque o oxigênio está sendo usado em larga escala”, cita.

Roberto Ramos, coordenador da ABNT NBR 16651 (Proteção Contra Incêndios em Estabelecimentos Assistenciais de Saúde – EAS – Requisitos) acha que seria impossível quantificar, mas os riscos aumentaram com a Covid-19, pois os estabelecimentos de saúde operam, muitas vezes, acima das suas capacidades. “Grande demanda para mais materiais, mais oxigênio, novos equipamentos sendo postos nos corredores, às vezes, obstruindo a evacuação e impossibilitando o combate adequado, ou seja, a incidência realmente aumentou durante a pandemia e principalmente o risco de uma tragédia maior. Os hospitais de campanha são um dos exemplos de grande risco, pois simplesmente não tivemos tempo de adequar estes locais, eles foram montados às pressas”, diz. O coronel da reserva da Brigada Militar e professor no CBMRS (Corpo de Bombeiros Militar do Rio Grande do Sul), Sergio Pastl, concorda que a celeridade da pandemia afetou a SCI (Segurança Contra Incêndio) dos hospitais. “A celeridade imposta pela gravidade e numerosa clientela levou os gestores a adaptarem espaços e equipamentos sem atenderem os requisitos de projetos tradicionais. Assim, NBRs relativas à eletricidade, ar condicionado, serviços de gases, medidas de isolamento de risco e outras de proteção passiva, talvez não puderam ser obedecidas. O Corpo de Bombeiros da Polícia Militar do Estado de São Paulo editou Instrução Técnica sobre instalações provisórias, que muito tem ajudado. Ainda assim, podemos ter não conformidades que podem gerar eventos”.

ENGENHARIA

Marcos Kahn destaca algumas ações importantes para mudar o panorama dos incêndios nos hospitais. “Do ponto de vista de Engenharia, o hospital normalmente tem um corpo de arquitetos e engenheiros que deveriam ter uma especialização maior com relação à Segurança Contra Incêndio, pois não é simplesmente contratar um projeto e delegar que ele seja feito conforme normas técnicas. O hospital tem uma série de requisitos específicos. É preciso conhecer a fundo a edificação hospitalar e relacionar esta edificação com os riscos. Tem que se ter uma atenção gigante com relação aos detalhes porque é neles que se consegue mitigar os riscos da SCI, partindo de, no meu entendimento, um aspecto fundamental que é compartimentação”, destaca.

Investimentos em sistemas adequados de controle e combate, como detecção e alarme de incêndio e chuveiros automáticos, em rotas de fuga bem dimensionadas, que ajudam em uma evacuação mais rápida, e em medidas de proteção passiva, como Controle de Materiais de Acabamento e Revestimento, são outros aspectos importantes para a Segurança Contra Incêndio nos hospitais, segundo os especialistas.

NORMA

A partir da preocupação com os incêndios ocorridos em hospitais e suas consequências para trabalhadores e pacientes, normas e publicações específicas surgiram no setor. “O primeiro passo foi dado com a publicação da primeira Norma Brasileira de Segurança Contra Incêndios em EAS, a NBR 16651, em abril de 2019. Ela entrou em revisão alguns meses após a sua publicação e tivemos uma breve pausa nos trabalhos devido à pandemia, mas já retomamos e, com certeza, quando fecharmos o novo texto teremos uma melhora significativa no nível técnico de proteção e segurança dos nossos EAS”, reflete Ramos, coordenador da norma. Autor do Manual de Segurança Contra Incêndios em EAS, publicado em 2014 pela Anvisa, Marcos Kahn trabalha há quase 20 anos na área de Segurança em EAS, incluindo SCI, segundo ele, parte fundamental da proteção de trabalhadores e pacientes. “Para você ter um tratamento assistencial seguro, você precisa ter a segurança dos seus colaboradores e a SCI é parte integrante de tudo isto”, diz.

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